Por Eunice Ferrari ★
Enquanto a psicologia tradicional encara a depressão como uma doença da mente ou um desequilíbrio químico a ser combatido, Carl Gustav Jung nos convida a vê-la de forma radicalmente diferente: como um fenômeno da alma. Para Jung, a depressão não é um sintoma de que algo essencial foi perdido, um sinal de que partes esquecidas do self estão clamando por atenção, acolhimento e reintegração.
“A depressão é como uma senhora de preto. Se ela aparecer, não a expulse. Convide-a a sentar-se, ofereça-lhe um lugar à mesa, e escute o que ela tem a dizer.” — Jung
A depressão como processo simbólico
Na perspectiva junguiana, os sintomas psíquicos não são nossos inimigos, são mensagens do inconsciente tentando nos alertar sobre um desequilíbrio profundo. A depressão surge quando a alma não encontra mais alimento na vida que estamos levando. Quando o ego, essa parte consciente que gere nosso dia a dia, está tão afastado do centro simbólico do self, que a psique, como forma de compensação, nos paralisa.
Não se trata, portanto, de uma falha, mas de um momento crucial de escuta, de pausa e de reorientação. A depressão, segundo Jung, é uma crise de sentido e é justamente por isso que ela dói tanto: ela nos força a reavaliar tudo.
Mergulho nas profundezas: o chamado da Sombra
Para Jung, a cura está no enfrentamento da Sombra, esse lado negado em nós mesmos, que contém tudo o que reprimimos, negamos, esquecemos ou tememos. A depressão é, muitas vezes, o momento em que esse conteúdo começa a emergir. E como toda sombra, ela assusta.
É preciso coragem para descer às profundezas do inconsciente e ouvir a dor. E Jung não prometia alívio imediato, prometia inteireza. Porque para ele, o objetivo da vida não era sermos felizes, mas sermos inteiros. E isso implica conhecer as partes luminosas e sombrias da alma.
A função transcendente: alquimia psíquica
Um dos conceitos centrais do pensamento junguiano é a função transcendente: a capacidade da psique de unir opostos em um novo patamar de consciência. A depressão, nesse sentido, é o “estado intermediário” entre o que fomos e o que ainda não conseguimos ser.
É um período liminar, de travessia, em que antigos valores perdem o sentido e o novo ainda não nasceu. Assim como nas iniciações arquetípicas, há uma morte simbólica do ego e o que virá depois depende da escuta, do acolhimento e do trabalho interno.
O símbolo como caminho de cura
Jung acreditava que, enquanto ficamos presos à literalidade dos sintomas, ficamos estagnados. Mas quando conseguimos ver os sintomas como símbolos, abrimos a porta da transformação.
A depressão pode estar simbolizando a necessidade de resgatar um talento abandonado, uma vocação esquecida, uma verdade não vivida. Pode estar nos levando de volta ao corpo, à natureza, à vida interior. Pode ser, também, uma dor ancestral que precisa ser reconhecida, não apenas pessoal, mas coletiva e transgeracional.
A alma precisa de silêncio
Vivemos em uma cultura que idolatra o desempenho, a produtividade, a positividade tóxica. Nesse contexto, a depressão se torna um escândalo, algo a ser corrigido rapidamente, medicado e ignorado. No entanto, Jung dizia que a alma não fala com palavras, ela fala com imagens, sonhos, sensações e sintomas.
A depressão é, muitas vezes, a única forma que a alma encontra para nos fazer parar e escutar.
Rituais, corpo e escuta simbólica
Como psicoterapeuta somática e astróloga, vejo na depressão um convite profundo ao retorno à escuta simbólica. Às vezes, é o corpo que sente antes da mente entender. É a falta de ritual, de expressão, de conexão com o profundo em nós que adoece.
Na prática, isso significa:
- Criar espaços de recolhimento e silêncio;
- Trabalhar com os sonhos, imagens, contos e mitos;
- Fazer perguntas essenciais: O que em mim está morrendo? O que precisa nascer?
- Ouvir o corpo como um oráculo;
- Abrir-se ao processo, sem pressa de sair do “vale escuro” que, como os contos antigos nos ensinam, sempre leva a uma iniciação.
A depressão como semente de transformação
Jung não romantizava a dor, ele a respeitava. Sabia que só curamos o que enfrentamos. E que a cura não é voltar a sermos quem éramos, mas tornar-nos quem devemos ser.
A depressão, por mais dolorosa que seja, é uma travessia. Não é o fim, é a passagem. Não é punição, é convite. Um convite da alma para que voltemos àquilo que importa, àquilo que é verdadeiro, àquilo que nos torna inteiros.





